Isolamento, ou o inverno em dias de primavera
Existe
uma expressão no taoismo que diz que o homem sábio atravessa o rio a nadar com
a corrente. Já o tolo opta por desperdiçar a sua energia tentando atravessar
para o outro lado a direito.
Por
vezes sinto que vivemos numa sociedade que tenta desesperadamente atravessar a
direito. Apressados, exauridos, desesperados. A natureza, por outro lado, não
tem pressa. Aceita todas as suas estações, até o inverno, com serenidade. Essa
serenidade é contagiosa. E quando a observo, agora do meu quintal, acalmo,
abrando, e todas as minhas estações fazem sentido. E finalmente consigo
escrever sobre o turbilhão das últimas semanas.
Quando
se viaja, quando se salta de um avião, quando se escala uma montanha,
aprende-se a esperar o inesperado e a lidar com tranquilidade e eficiência
perante o desconhecido. Mas admito que tive um momento de surpresa com tudo
aquilo que estamos a viver. A casa, para mim, nunca foi só um espaço físico.
Era também a conversa com os vizinhos, o ir buscar pão quente à padaria mais
próxima, que o Magno abria ao meio para ver sair o fumo, como ele diz. Eram os
passeios de bicicleta por entre os campos que alternam entre vacas e ovelhas e
entre o trigo e pasto. Era a conversa diária, sobre tudo e sobre nada, com a
senhora Edith, suíça dos sete costados, e que agora, por causa dos seus 70
anos, está há um mês sem ver a netinha. Eram os “grüetzi mitenand”
distribuídos a desconhecidos pela rua e as idas às quartas feiras à hora de
almoço à brockenhaus, para
passar os dedos pelas novas velharias e decidir se preciso mesmo de um quinto
cesto de vime ou de mais uma moldura dourada.
Agora,
a casa é só isolamento.
As
últimas semanas têm sido passadas a ajustar-me a esta nova realidade. A aceitar
que, pela primeira vez, não vai dar para colocar prazos e datas nos sonhos mas
que é possível continuar a sonhar. A encontrar uma nova definição de casa. A
continuar a criar, mas agora dentro de quatro paredes. A aceitar o inverno,
mesmo que já seja primavera. A aceitar que mesmo que isto não seja o que eu
quero, o que nenhum de nós quer, é aquilo que a humanidade precisa neste
momento. Que este gigantesco ato global de isolamento é um tremendo ato de
amor e solidariedade para com os mais velhos e os mais frágeis. Que isto me vai
mudar para sempre. Que o mundo vai mudar para sempre. E que quando voltarmos a
percorrer o mundo livremente, que este isolamento tenha servido para que
tenhamos uma melhor versão de nós para lhe oferecer.
Fiquem
bem. Fiquem seguros. Fiquem em casa.
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